Postliterate — Não existe uma Direita Libertária

Luísa Souza
15 min readNov 21, 2023

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Traduzido por Luísa Amaral. Link para o original: https://medium.com/@postliterate/there-is-no-right-wing-libertarianism-be8e34c72f72

Para evitar distorcer ainda mais o termo “libertarianismo”, eu usarei o termo “proprietarianista” ou alguma variação de “capitalista laissez-faire” quando em refiro aos ditos “libertários de direita”.

1- Amigáveis ao fascismo, hostis à liberdade

Para Marx, aquilo que é específico a uma ideia não é tão importante em um primeiro momento quanto a quem essas ideias buscam servir. No caso dos que encabeçaram a Escola Austríaca de economia moderna — que ainda desempenha um papel fundamental na teoria proprietarianista — essa noção parece iminentemente aplicável. Por mais que o seu principal autor moderno, Ludwig Von Mises, tenha tido grandes visões de uma prosperidade natural do homem, as ideias de Mises serviram a classe burguesa tão efetivamente quanto um pensador como Marx esperaria.

Mises passou grande parte de sua carreira política como conselheiro político do proto-fasicsta Engelbert Dollfuss (ex-chanceler austríaco). Além das suas políticas de austeridade, ele dedicou muito esforço a esmagar o trabalhador e o seu direito de se organizar.

“Na vã esperança de evitar mais redundâncias, muitos trabalhadores estiveram inicialmente dispostos a aceitar uma redução em seu salário por hora junto com cortes no dia de trabalho… [o governo] apoiou os empregadores. De fato, a ação do governo que havia autorizado os empregadores em primeiro lugar. Sob os termos da Lei Anti-Terrorismo de 1930, o status dos contratos coletivos foi alterado, invalidando todos os acordos closed shop e parando a prática de deduzir taxas sindicais na sua fonte… Pela introdução da Lei Anti-Terrorismo o governo mostrou que o ataque aos sindicatos de livre-comércio que até agora tinha sido liderado por empregadores do setor privado seria extendido ao setor público e intensificado”. [1]

“O crescimento do desemprego fortaleceu a mão dos empregadores sobre o trabalho, e eles procuraram desmantelar o que sobrou da legislação trabalhista da república…Houve um efeito perceptível sobre a incidência da ação industrial. O número de disputas caiu de 242 em 1928 para 30 em 1932, e ao longo do mesmo período o número total de grevistas caiu de 562,992 para 79, 942, refletindo a erosão da segurança econômica”. [2]

Mises nos entrega uma passagem reveladora em Die Ursachen der Wirtschaftskrise:

“Essas táticas sindicais naturalmente presumem que o governo tolera esse comportamento, no mínimo. Se ele procedesse de sua forma usual e interferisse com as ações de criminosos que abusam aqueles que procuram por empregos e vandalizam as máquinas e outras instalações do empreendedor, as circunstâncias seriam diferentes. Mas uma das características do estado moderno é precisamente que ele recuou perante os sindicatos”

Para resumir, para Mises, trabalhadores impondo seu direito de se organizar não eram nada mais do que bagunceiros que não sabem o que é bom para eles. O lado oculto desse modo de enxergar as coisas é esclarecido em uma carta para Ayn Rand, revelando o elitismo gritante de Mises e o seu desprezo pelas massas que demandam melhores condições:

“Você [Rand] tem a coragem de dizer para as massas o que nenhum político disse a eles: você é inferior, e todas as melhoras em suas condições que você simplesmente tomam por garantidas, vocês devem ao esforço de homens que são melhores do que vocês”. [3]

Deixando a economia de lado por um momento, Mises parece ter deixado bem explícito que a sua ideia de “liberdade” só se aplicava a poucos homens — aqueles que são superiores — e todos os outros merecem calar a boca e obedecer com gratidão. Essa linha de pensamento serviu como base para movimentos neo-monarquistas, especialmente para a ideia de Iluminismo Sombrio desenvolvida por Nick Land. A liberdade para Mises não era um plano para as massas; era um plano para os superiores.

Voltando ao Dolfuss, ele era, claro, tudo menos um libertário em suas políticas — a austeridade tinha que ser imposta, afinal. O forte declínio na qualidade de vida para trabalhadores e trabalhadoras a medida que serviços sociais foram quase inteiramente cortados e sindicatos foram suprimidos não demonstraram nenhuma preocupação com “liberdade”

“Uma política deflacionária econômica em combinação com uma determinação antidemocrática ajudou a desmoralizar e enfraquecer a classe trabalhadora […] Dolfuss estava determinado a se aproveitar ao máximo das oportunidades oferecidas pela depressão. Assim que o parlamento foi fechado e o governo passou a atuar por decretos de emergência, uma série de medidas foram adotadas para enfraquecer mais ainda a classe trabalhadora. ‘Necessidade econômica’ foi usada como desculpa para essas medidas políticas. Pagamentos de previdência foram reduzidos. Greves proibidas. Até os direitos dos trabalhadores de discutir salários e condições de trabalho foram reduzidos drásticamente […] Assim, em fevereiro de 1934, a condição da classe trabalhadora austríaca era miserável […] Com desemprego massivo, a erosão de direitos políticos e condições de vida horrendas, a maior parte dos trabalhadores estavam desmoralizados, cansados e sem qualquer senso comum de propósito e direção”. [4]

E não vamos esquecer também de Hayek (o sucessor de Mises) ou Friedman também:

“Nós deveríamos nos lembrar que von Mises não esteve sozinho em seu apoio a uma ‘dose emergencial’ de fascismo. Outro economista austríaco Von Hayek, também havia postulado a necessidade de um ditador temporário para eliminar os excessos da democracia muito antes de apoiar a ditadura de Pinochet no Chile (Andrew Farrant, Edward McPhail and Sebastian Berger, “Preventing the ‘Abuses’ of Democracy: Hayek, the ‘Military Usurper’ and Transitional Dictatorship in Chile?” The American Journal of Economics and Sociology, Vol. 71, №3 [July, 2012], pp. 513–538). Também não deveríamos nos esquecer que Milton Friedman elogiou Pinochet por introduzir um ‘mercado livre’ no Chile: aparentemente um mercado ‘livre’ no trabalho é consistente com trabalhadores morrendo de medo de fazer greves — ou até mesmo de responder ao que disse o patrão — preocupados de que seu corpo torturado termine jogado na sarjeta. Os dois, é claro, elogiaram o ‘milagre’ econômico chileno pouco antes dele despencar em 1982". [5]

Não é suficiente apenas mencionar o ditador Pinochet — cujo golpe apoiado pelos Estados Unidos assassinou um presidente eleito — e o seu apoio apoio por parte de supostos amantes da liberdade. Nós não podemos esquecer que Friedman, assim como Mises, foi um conselheiro de política econômica também — trabalhando com o presidente estadunidense Ronald Reagan — cujas tentativas de controlar a oferta monetária, privatizar a indústria violentamente, dedicação à defesa da propriedade privada com todos os meios ao seu dispor e dedicação à difusão do neoliberalismo para outros países na base da força — uma tática que não serve “o povo”, e sim aqueles a quem foi permitido a posse da propriedade primeiro: o capitalista — não refletiu nada de “liberdade” como refletiu ideologia, poder e violência.

Para uma leitura mais aprofundada desse tema, eu recomendo o livro de David Harvey A Brief History of Neoliberalism (Uma Breve História do Neoliberalismo)

2- Propriedade apenas para a elite

“Se alguém inicia uma cidade privada […] pessoas que escolhem se mudar para lá ou ficar lá não devem ter nenhum direito de opinar sobre como a cidade deve ser gerida”. [6]

“Em um mundo puramente libertário, onde todas as ruas são propriedade privada, os vários proprietários das ruas decidirão, em um dado momento, se eles querem alugar suas ruas para demonstrações, para quem alugar e que preço cobrar. Seria então claro que o que está envolvido aí não é uma questão de ‘liberdade de expressão’ ou de ‘liberdade de reunião’, e sim de direito à propriedade: o direito de um grupo de oferecer alugar uma rua e o direito do proprietário da rua de aceitar ou recusar a oferta”. [7]

“Em um acordo concluído entre proprietário e inquilinos da comunidade para o propósito de proteger a sua propriedade privada, não há nada como um direito à liberdade (ilimitada) de expressão… Naturalmente, ninguém é livre para pregar ideias contrárias ao propósito do acordo de preservar e proteger a propriedade privada, como a democracia e o comunismo. Não pode haver nenhuma tolerância a democratas e comunistas em uma ordem social libertária. Eles terão que ser fisicamente separados e removidos da sociedade”. [8]

De uma seção intitulada “Um programa populista de direita”

“4. Tomar de Volta as Ruas: Esmagar Criminosos. E aqui, é claro que eu não estou me referindo a ‘criminosos de colarinho branco’ ou a quem pratica ‘inside trading’, e sim a criminosos violentos — ladrões, assaltantes, estupradores, assassinos. Policiais têm que ser liberados para agir e administrar punição instantaneamente, sujeitos a serem responsabilizados se estiverem errados, é claro”.

5. Tomar de Volta as Ruas: Se Livrar dos Vagabundos. Liberar os policiais para limpar as ruas de vagabundos e mendigos. Para onde eles irão? Quem se importa? Espero que eles desapareçam, ou seja, se movam das fileiras da classe vagabunda e mimada para as dos membros produtivos da sociedade”. [9]

Uma sociedade proprietariana envolve uma elite que controla tudo e uma maioria que está sob seu jugo (parece um pouco aquele discurso generalizado sobre o socialismo, não?) — resumindo, uma sociedade de classes. Esquerdistas dedicaram muito esforço a demonstrar como uma sociedade capitalista de classes é desprovida de liberdade; o que eles devem fazer agora é mostrar como o capitalismo é desprovido de liberdade em seus próprios termos, ou seja, supondo que o seu sofismo ideológico é verdadeiro. Vamos assumir, então, uma condição de igualdade de oportunidades para todos e uma implementação pura do comércio capitalista: mercados, acumulação de capital e propriedade privada.

O capitalismo como crença ideológica afirma ser uma livre associação entre produtores que no fim das contas produzem para o bem comum — em outras palavras, exatamente a definição de socialismo oferecida por Paul Mattick em “Um ensaio sobre o bolchevismo” (aqui se torna claro que alguns valores similares são compartilhados por muitos que desejam liberdade na direita e na esquerda, mas que diferem em suas táticas).

Sob o capitalismo, produtores individuais criam bens de consumo e são recompensados com o lucro através do dinheiro das massas de consumidores. Bons produtores recebem recompensas pelos seus negócios e financiamento para mais desenvolvimento deste bem público; produtores ruins não conseguem competir e são empurrados para fora do mercado.

Por que eu acredito que essas ideias, quando aplicadas a uma sociedade capitalista, são apenas especulação? Segue aqui algumas razões:

1: A produção precede o consumo

2: Nem todos são produtores mas todos são consumidores

3: Humanos não são infinitos em número ou força individual; assim, a competição de mercado nunca pode se comportar como um campo de disputas em condição de igualdade, e sim como uma faixa que delimita um vencedor. Mudanças temporárias podem renovar o processo à medida que mudam as demandas de consumo, mas não podem superar esse processo.

4: A promoção da conquista individual no mercado implica a negação da autonomia de todos aqueles que não são os produtores mas necessitam trabalhar.

5: O sucesso econômico individual em um mercado puro e sem interferências se transforma em poder social.

Os dois primeiros itens são os mais importantes, e os outros servem como comentário. 1# afirma que os produtores sempre terão um controle maior da produção em um mercado apesar de consumidores “votarem com seus dólares”. isso se dá porque enquanto a produção preceder o consumo, os consumidores precisam escolher entre as escolhas disponíveis enquanto os produtores escolhem as próprias escolhas. A relação entre produtores e consumidores é inerentemente desigual (vale mencionar que o planejamento econômico é uma das várias propostas para devolver o poder aos consumidores nessa relação ao permitir que os consumidores — ou seja, todas as pessoas — “escolham as escolhas” de antemão, controlando diretamente a produção ao invés de guiar um fluxo que já está em movimento).

#2 afirma que nem todas as pessoas são produtoras. É claro que nem todas as pessoas estão aptas a serem produtoras, especialmente em um mercado capitalista. Nesse sentido, eu tenho um certo respeito por alguns empreendedores (não posso dizer o mesmo por quem herda negócios), e eu acredito que o empreendedorismo poderia receber uma nova ênfase em uma sociedade socialista — em uma forma radicalmente diferente da que é agora — e servir à população, e não apenas algumas poucas pessoas.

#2 reafirma que mesmo antes da acumulação privada de riqueza obscena, herança e um milhão de outros sinais de uma sociedade de classes, nós já podemos ver diante de nós um desequilíbrio de poder na forma em que a produção se dá no mercado. O capitalismo não é então uma competição entre pessoas; é uma competição entre capitalistas, e as funções dos capitalistas estão distribuídos pela sociedade de uma maneira nada saudável — ou seja, elas oferecem para o capitalista poder sobre a produção, trabalho, distribuição e as vidas de massas de pessoas.

Uma solução meia-boca sugerida para esse dilema é a proposta de relações de comércio que rejeitam a ênfase em posse e sucesso individuais. Esse foi o pretexto para diversos projetos mutualistas e de “socialismo de mercado”. A questão é que a não ser que os empreendimentos geridos por trabalhadores sejam capazes de se comunicar de uma maneira tão interconectada que ela dificilmente poderia ser considerada de relação de comércio, as firmas ainda seriam mestres da produção. Ao nos recusarmos a esquecer da famosa frase de Bordiga “O inferno do capitalismo é a empresa, não o fato de que ela tem um chefe”, espero que se esclareçam os métodos irracionais de produção inerentes aos próprios mercados.

Desse ponto de vista, a ideia de um suposto “capitalismo de compadrio” (crony capitalism no original) é uma negação das características essenciais do comércio capitalista. Você não acumula, acumula, acumula e depois apenas remove o excesso e o poder social capitalista; ao invés disso, encontramos uma sociedade cuja base econômica é governada por uma pequena elite que age com discrição, mesmo contra a vontade das massas — uma sociedade de classes.

3- Direitos políticos tirados do ar

Todos os direitos políticos são o resultado de ações do estado, ou seja, de um monopólio sobre a violência. Sem um estado, não há direitos a serem garantidos ou permissões a serem defendidas, e sim pessoas livres e a sua liberdade de cooperar com outras pessoas e grupos livres.

“De maneira geral, como eu acho que disse Hegel, ‘para todo direito há um Dever’. Então, por exemplo, você tem o Direito de viajar de transporte público e o Dever de pagar a sua passagem. O direto à greve implica que os trabalhadores podem pacificamente deixar de trabalhar com a condição de que respeitem a ordem pública e não façam nada que possa tornar esse greve eficiente”. [10]

Demandar “direitos” é o equivalente a implorar por um pouco de liberdade e garantir em troca mais subserviência ao estado. Muitos proprietarianistas admitem que o estado é necessário para “proteger” os seus direitos, e recorrem ao clichê de que sem o estado para fazer isso a sociedade vai se afundar no caos — algo que já ouvimos falar mil vezes de estatistas, ou em outras palavras de pessoas que temem a liberdade. Então não vamos falar de “liberdade” perto desses tipos.

“Ainda mais reveladora é a razão pela qual libertários (de direita) mantém o estado. O que eles sempre insistem é em manter são os aparatos coercitivos da lei, polícia e exército. Essa razão deriva diretamente da visão que eles têm sobre a natureza humana, que é característica do liberalismo, e não do anarquismo. Ou seja: o liberalismo caracteriza problemas sociais (crime, pobreza, etc) como sendo derivados de uma disposição inerente aos seres humanos (ex: a razão pela qual Locke afirma que as pessoas abandonam o ‘estado da natureza’), o que justificaria uma necessidade constante de uma força ‘imparcial’ que vem do estado. A corrupção e degeneração humanas causadas por externalidades estruturais como uma função do poder nunca são admitidas porque o libertarianismo (de direita), assim como o liberalismo, apoia totalmente o capitalismo. Ele não se opõe ao poder, centralização, desigualdade econômica, hierarquia e autoridade. A ‘liberdade’ de explorar o trabalho e acumular propriedade sem interferência do estado é a essência do capitalismo e o credo do libertarianismo e do liberalismo, que são a negação total do anarquismo”. [11]

De onde então que os capitalistas que acreditam que o estado deve ser abolido tiram a ideia de que elas poderiam e iriam manter os seus direitos à propriedade? Existem duas respostas possíveis:

1: A propriedade privada é o resultado de uma lei natural e de um acordo que ocorre naturalmente entre dois indivíduos.

2: Indivíduos devem reter o direito de defender a sua propriedade contra aqueles que querem tomá-la em nome da liberdade.

O capitalismo contemporâneo necessita de uma polícia violenta para manter direitos à propriedade privada: será que nós devemos realmente acreditar que uma instituição que prende o homem faminto cuja inclinação natural é conseguir comida é o resultado natural da ação humana não-coercitiva? A sociedade da abundância de mercadorias que é o capitalismo é artificial em todos os sentidos porque o instinto natural do homem é usar e agir, e não ter que desistir de uma parte de si apenas para comer. A comodificação do trabalho significa que além de todos os objetos terem que ser sujeitos ao comércio e não apenas ao uso, o próprio corpo deve ser aprisionado em troca de dinheiro para ter acesso a essas mercadorias. Uma pessoa pode, raramente, se tornar uma empreendedora, mas é mais provável que ela termine vendendo as suas posses se o emprego não for uma opção. Eu já usei essa citação antes, mas ela permanece crucial:

“O saque é uma resposta natural ao que não é natural nessa sociedade desumana de abundância de mercadorias. Ele instantaneamente acaba com a mercadoria enquanto tal, e revela o que a mercadoria implica no fim das contas: o exército, a polícia e outras extensões do monopólio do estado sobre a violência armada. O que é um policial? Um servo da mercadoria, o homem totalmente submisso à mercadoria, cujo trabalho é se certificar de que um determinado produto do trabalho humano permaneça uma mercadoria, com a propriedade mágica de poder ser comprado ao invés de uma simples geladeira ou um rifle — um objeto inanimado e passivo, sujeito a qualquer um que venha a fazer uso dele’. [12]

#2 revela as intenções mais profundas desses proprietarianistas extremos. Sabatini escreve,

“… a reivindicação de Rothbard de ser anarquista é rapidamente anulada quando se mostra que ele apenas quer acabar com o estado público. No seu lugar, ele permite, vários estados privados, com cada um fornecendo sua própria força policial, exército e lei ou comprando dos vendedores capitalistas

Quem tem a força para se apropriar da propriedade e assassinar em sua defesa? Não são todos, é claro. A demanda proprietarianista por “liberdade” na forma de direitos à propriedade privada é apenas “liberdade” para poucos.

….

4 — Radicalismo diluído e um caminho adiante

“Sociedades capitalistas podem adquirir progresso econômico sob condições de ditadura política, pois até sob tal ditadura, a dimensão da atividade econômica é relativamente desregulada e os processos normais da competição continuam operando, enquanto a supressão de organizações da classe trabalhadora podem permitir uma taxa maior de exploração. Sob o socialismo, não pode haver tal separação entre o estado opressor e a economia “livre”; e se critérios de “correção” ideológica dominem na produção dos administradores e até mesmo no debate teórico-econômico, as perspectivas de crescimento e eficiência a longo prazo são fracas de fato”. [13]

Não, nem MIlo Yannopoulos, Gavin McInnes ou Steven Crowder nem qualquer um de seus fãs são “libertários” apesar de se afirmarem como tal. Eles são na melhor das hipóteses conservadores que adotaram o termo simplesmente porque eles gostam de liberdade (quase todos gostam de liberdade, mas apenas os libertários buscam maximizá-la), e na pior são uma fachada para baboseira fascista.

Os libertários foram desde o princípio radicais e de esquerda. Para sonhar com um mundo de liberdade maximizada, você tem que ser no mínimo anti-estado e anticapitalista. eu acredito que a luta libertária, que começou sob esse nome no meio do século XIX, não tem nenhuma necessidade de mudar esse plano de tal maneira. Nós ainda estamos vivendo sob o capitalismo, e o Leviatã expandiu sua esfera de influência sobre nossas vidas.

Essa diluição do radicalismo provavelmente começou quando os capitalistas laissez-faire confundiram suas teorias quebradas com liberdade; ao longo do tempo eles aproximaram mais e mais do status quo. Hoje, o termo “libertarianismo” não é nada mais do que uma imagem ou um sentimento (talvez mesmo uma bandeira), às vezes aliado a uma urna republicana, às vezes a uma impotência. O que não é associado a ele é o desejo de acabar com estruturas inimaginavelmente vastas e complexas em troca de uma sociedade quase incompreensivelmente livre e sem ser assombrada pela violência estrutural e o capital.

É hora da esquerda retomar o termo para seus próprios propósitos e reorientar seu uso, não por causa de um fetiche por pureza linguística, e sim pela necessidade de radicalismo em uma era que vemos a barbárie no horizonte.

“Sim, senhores, pelo mundo nós somos alguns milhares, alguns milhões de trabalhadores que demandam a liberdade absoluta. Nada além da liberdade, toda a liberdade” [14]

Referências

[1] Jill Lewis, Fascism and the working Class in Austria, 1918–1934, p. 173–76

[2] Tom Kirk, Nazism and the working class in Austria, p. 31–32

[3] Mises and Rothbard Letters to Aynd Rand, Journal of Libertarian Studies Vol 21, N 4, p. 11.

[4] Martin Kitchen, The Coming of Austrian Fascism, pg. 94–95

[5] Ian McKay, Proprietarinism and Fascism

[6] Robert Nozick, Anarchy, State and Utopia, pg. 270.

[7] Murray Rothbard, For a New Liberty, p. 96–97

[8] Hans-Hermann Hoppe, Democracy: The God That Failed, pg. 218

[9] Murray Rothbard, Right-Wing Populism: A Strategy for the Paleo Movement

[10] Wildcat, Against Democracy

[11] Peter Sabatini, Libertarianism: Bogus Anarchy

[12] Guy Debord, The Decline and Fall of the Spectacle-Commodity Econoy

[13] W. Paul Cockshott e Allin Cottrel, Towards a New Socialism, pg. 7

[14] Accursed Anarchists, Declaration to the Tribunal of Lyons.

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Luísa Souza
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Written by Luísa Souza

Travesti libertária (anarquista) jornalista e pesquisadora. Interessada em filosofia e em questões sociais e ambientais.

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